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ARTIGO ORIGINAL

A efetividade de uma proposta fisioterapêutica pré-operatória para cirurgia de revascularização do miocárdio

Camila Pereira LeguisamoI; Renato A.K. KALILII; Ana Paula FURLANIIII

DOI: 10.1590/S0102-76382005000200008

RESUMO

Introdução: As complicações pulmonares pós-operatórias são uma fonte significativa de mortalidade e morbidade. A fisioterapia respiratória é freqüentemente utilizada na prevenção e tratamento de tais complicações, podendo ser iniciada no pré-operatório de forma a avaliar e orientar os pacientes. Objetivo: Estabelecer a efetividade de um programa de orientação fisioterapêutica pré-operatória para pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio, em relação à redução do tempo de internação hospitalar, prevenção de complicações radiológicas pulmonares, alteração de volumes pulmonares e força muscular inspiratória. Método: Ensaio clínico randomizado. A pesquisa foi composta por 86 pacientes submetidos à cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. O grupo intervenção (44 pacientes) foi avaliado e recebeu orientação fisioterapêutica com material por escrito, no mínimo, 15 dias antes da cirurgia. Já o grupo controle recebeu cuidados de rotina no dia da internação hospitalar. Resultados: Observou-se significativa redução do tempo de internação hospitalar (p<0,05) no grupo intervenção. Não se verificou diferença para alteração de volumes pulmonares, força muscular inspiratória e incidência de complicações radiológicas pulmonares entre os grupos. Conclusão: Pacientes instruídos no pré-operatório estarão melhores preparados para colaborar com o tratamento pós-operatório e, entendendo o objetivo da fisioterapia pré e pós-operatória e a técnica fisioterapêutica proposta, poderão ter diminuição no tempo de permanência no hospital.

ABSTRACT

Introduction: Postoperative pulmonary complications are a major source of mortality and morbility. Respiratory physiotherapy, which is often used to prevent and treat these complications, can be started preoperatively, in order to assess and guide the patients. Objective: To establish the effectiveness of a preoperative physiotherapy program for patients submitted to elective coronary artery bypass surgery as regards to the reduction of the hospital stay and prevention of pulmonary complications, changes in pulmonary volumes and inspiratory muscle force. Method: This was a randomized clinical trial. The study group consisted of 86 patients submitted to elective coronary artery bypass surgery at the Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. The intervention group (44 patients) was assessed and received physiotherapeutic guidance with written manuals at least 15 days before surgery. The control group (42 patients), on the other hand, received routine guidance on the day of hospital entry. Results: A significant reduction in the hospital stay (p<0.05) was observed in the intervention group. No difference were found between the groups in respect to the change of lung volumes, inspiratory muscle force and occurrence of pulmonary complications as seen by X-ray. Conclusion: Patients who have had preoperative instruction are better prepared to cooperate with postoperative treatment. As these patients understand the purpose of pre- and post-operative physiotherapy, the limitations resulting from the surgical process and the physiotherapeutic technique proposed, they may ultimately have a shorter stay in hospital.
INTRODUÇÃO

A freqüência dos procedimentos cirúrgicos aumentou progressivamente nas últimas décadas. As complicações pulmonares pós-operatórias são uma fonte significativa de mortalidade e morbidade [1]. Dessa forma, podem-se reduzir as taxas de mortalidade, identificando os pacientes em risco de complicações pulmonares pós-operatórias [2-4] e otimizando a terapêutica [1,5].

Alguns fatores que predispõem às complicações respiratórias no pós-operatório podem ser minimizados por adequada avaliação e manejo pré-operatórios, incluindo o uso de fisioterapia respiratória [6], broncodilatadores, uso de antibióticos, tratamento da insuficiência cardíaca e interrupção do fumo [7].

A fisioterapia respiratória é freqüentemente utilizada na prevenção e tratamento de complicações pós-operatórias como: retenção de secreção, atelectasias e pneumonia. A duração e freqüência da fisioterapia respiratória para pacientes cirúrgicos são variadas, dependendo das necessidades individuais, preferência terapêutica e prática institucional [6,8].

A fisioterapia respiratória deverá ser iniciada no pré-operatório de forma a avaliar e orientar os pacientes. No período pós-operatório, o tratamento consiste basicamente em exercícios ventilatórios e estímulo de tosse [3,8,9].

A orientação de exercícios ventilatórios consiste na adequação do tempo inspiratório e expiratório e da profundidade ventilatória ao padrão muscular ventilatório mais adequado, tanto no que se refere à freqüência respiratória quanto ao volume corrente [8]. Além disso, essa orientação visa a iniciar o paciente a utilizar corretamente a musculatura ventilatória e a fazê-lo entender os diferentes tipos de padrões ventilatórios, por meio de demonstração prática neste processo de orientação [9,10].

Este estudo teve por objetivo estabelecer a efetividade de um programa de orientação fisioterapêutica pré-operatória para pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio (RM), em relação à redução do tempo de internação hospitalar, prevenção de complicações radiológicas pulmonares, alteração de volumes pulmonares e força muscular inspiratória.

MÉTODO

A pesquisa caracteriza-se por ser um ensaio clínico randomizado, composto por indivíduos submetidos à cirurgia eletiva de RM no período de dezembro de 2002 a agosto de 2003, no Instituto de Cardiologia do RS/Fundação Universitária de Cardiologia.

Amostra

A pesquisa foi realizada em 86 indivíduos, homens e mulheres, submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamário-coronariana e pontes de safena aorto-coronarianas, que permaneceram em ventilação mecânica por um período máximo de 24 horas, sendo extubados pelos métodos convencionais. Seriam excluídos do estudo todos os indivíduos que apresentassem seqüelas neurológicas no pós-operatório (AVC isquêmico ou hemorrágico); pacientes reentubados no pós-operatório, que fizessem uso de ventilação não-invasiva no pós-operatório, que negassem realizar os testes de função pulmonar e/ou a fisioterapia proposta no período pós-operatório; e os indivíduos que não completassem o mínimo de 15 (quinze) dias de orientação pré-operatória.

Inicialmente, foram selecionados para o estudo 104 pacientes, destes, 14 não aceitaram participar. Dos que participaram, foram excluídos do estudo um paciente do grupo controle devido a óbito e três do grupo intervenção. Destes, dois desistiram de participar da pesquisa e outro não foi submetido à cirurgia cardíaca. Nesta amostra, não houve pacientes com história de edema pulmonar no pós-operatório.

Intervenção

Primeiramente, este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do IC/FUC, e obtido termo de consentimento por escrito dos pacientes para realização do estudo. Logo, os pacientes foram alocados para o grupo controle ou intervenção, por meio de tabela de números aleatórios.

O grupo intervenção foi avaliado e orientado, no mínimo, 15 dias antes da cirurgia de RM. Foi realizado, no período entre a primeira orientação fisioterapêutica e a data da internação hospitalar (24 horas antes da operação), um encontro semanal e individual para controle e orientação dos exercícios ventilatórios. O grupo controle foi orientado (sem material por escrito) quanto à fisioterapia respiratória (exercícios ventilatórios) e avaliado 24 horas antes da cirurgia, conforme rotina hospitalar atual. Todos os pacientes que fizeram parte do estudo receberam fisioterapia respiratória convencional (exercícios ventilatórios, posicionamento no leito, manobras de vibração e compressão torácica e orientação de tosse duas vezes ao dia) no pós-operatório pela equipe de fisioterapia do hospital.

Após seleção dos pacientes, a pesquisa se constituiu na aplicação de uma ficha de avaliação detalhada em que se obtiveram os dados de identificação, tempo de circulação extracorpórea (CEC), data da cirurgia e da alta hospitalar e fatores de risco para complicações pulmonares (DPOC, obesidade, tabagismo, história pregressa de tabagismo, pacientes com idade ³ 65 anos). Realizou-se a fisioterapia no pré-operatório, com ou sem o programa de orientação, por meio de orientação por escrito de exercícios ventilatórios e tosse. O critério para obesidade foi índice de massa corporal (IMC) ³30 kg/m². Para tabagismo, pacientes que fumam ou fumaram até 30 dias antes da operação e para ex-tabagistas aqueles com história prévia, anterior há 30 dias.

Além disso, foi avaliado o laudo radiológico previamente analisado pelo radiologista, sendo verificadas ocorrências de complicações radiológicas pulmonares, tais como: áreas desarejadas e derrame pleural. Foram mensurados os volumes pulmonares por meio da espirometria e a força muscular inspiratória máxima (PI máxima) pela manovacuometria. As mensurações foram realizadas no pré-operatório (24 horas antes da operação), no 1º pós-operatório (até 24 horas após a extubação) e 6º dia de pós-operatório dos pacientes do grupo controle e intervenção. Todos os dados da avaliação pulmonar foram colhidos com o paciente sentado ou com cabeceira elevada a 45-60o.

A espirometria foi realizada com espirômetro modelo MSP1â, obtendo os seguintes índices da função pulmonar: capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1o segundo (VEF1), de acordo com o I Consenso Brasileiro de Espirometria [10].

A manovacuometria, neste trabalho, foi utilizada para a aferição da pressão inspiratória máxima. Para a medição da PI máxima, foi utilizado um manovacuômetro digital (-500 a +500 cmH2O) modelo MVD500â da marca Microhard indústria eletrônica, conectado ao aparelho de treinamento muscular inspiratório de resistência alinear pressórica, modelo "DHD Inspiratory Muscle Trainer", acoplado a uma máscara facial de anestesia [11]. No aparelho havia um orifício de 2 mm para prevenir a produção de significantes pressões de músculos orofaciais [12].

Os pacientes do grupo intervenção foram encaminhados ao ambulatório, pelo menos quinze dias antes da cirurgia. Foi-lhes aplicado o protocolo de avaliação e realizada a avaliação da função pulmonar acima descrita. Juntamente à avaliação da função pulmonar no pré-operatório para o grupo intervenção, foi proposto um programa de exercícios fisioterapêuticos e devidamente explanado. Após, cada indivíduo levou por escrito as orientações de exercícios ventilatórios, para dar continuidade no período pré-operatório, que deveriam ser realizados no mínimo duas vezes ao dia, até a internação hospitalar (24 horas antes da operação). Os pacientes eram orientados a realizar três tipos de padrões ventilatórios: 1) padrão ventilatório diafragmático, 2) padrão ventilatório com inspiração fracionada em dois tempos e 3) padrão ventilatório com inspiração fracionada em 3 tempos, realizados em duas séries de 10 repetições; cada um destes em um total de 60 padrões ventilatórios por série.

Em seguida, os pacientes foram informados quanto à cirurgia de RM e o curso de tratamento no período pós-operatório. Foi-lhes explicada a importância do tratamento, a recuperação na unidade pós-operatória (UPO I) e após, no quarto hospitalar, e a expectativa dos eventos no período pós-operatório (anestesia, ventilação mecânica, extubação, sondas e drenos, fisioterapia pós-operatória e expectativa de alta hospitalar). Logo, os pacientes foram agendados para retornar ao ambulatório pelo menos duas vezes nos próximos 15 dias, com o objetivo de não só verificar, como supervisionar a realização dos padrões ventilatórios previamente orientados no domicílio.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram descritas através de médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis 25-75. As variáveis categóricas foram descritas através de tabelas de freqüências com proporções.

Os grupos foram comparados através do teste do qui-quadrado para variáveis categóricas, teste t de Student para variáveis contínuas de distribuição normal e teste de Mann Whitney para distribuições assimétricas.

Também foi utilizada análise de variância para medidas repetidas com objetivo de comparar as alterações no teste de função pulmonar entre o pré, 1º e 6º dia pós-operatório.

Em todas as comparações foi considerado um alfa crítico de 0,05.

RESULTADOS

Oitenta e seis pacientes foram randomizados para este estudo. Destes, 44 faziam parte do grupo controle e 42, do grupo intervenção. No primeiro grupo, havia 34 (77,3%) homens e 10 (22,7%) mulheres; no segundo, 31 (73,8%) homens e 11 (26,2%) mulheres. Não houve diferença (p= 0,80) para sexo entre os grupos. A média de idade (p= 0,54), altura (p= 0,75) e peso (p= 0,42) também não diferiram significantemente entre os dois grupos. As comparações entre os grupos são mostradas na Tabela 1. Destes pacientes, 73 (84,9%) realizaram cirurgia de RM com artéria mamária interna e 13 (15,1%) com ponte safena. Todos (100%) pacientes fizeram uso de dreno de mediastino; por sua vez, 72 (83,7%) tiveram a colocação de dreno pleural à esquerda e em um (1,16%) paciente foi colocado dreno pleural bilateral.

Os fatores de risco para complicações pulmonares no pós-operatório podem ser vistos na Tabela 2. Não houve diferença significativa entre os grupos para obesidade (p= 0,61), idade avançada (p= 0,37), DPOC (p= 0,10), tabagismo (p= 0,45) e ex-tabagismo (p= 0,16). (Tabela 2)

O tempo de CEC pode ser visto na Figura 1. No grupo intervenção, 41 (97,6%) pacientes foram submetidos à cirurgia sob CEC. No grupo controle, a CEC foi empregada em 44 (100%) pacientes. A média de tempo de CEC no grupo controle foi de 77,39 ± 22,30min e, no grupo intervenção, de 77,02 ± 24,22min, com mediana de 75 minutos em ambos os grupos. Não houve diferença significativa (p= 0,78) entre os grupos estudados.

O valor médio da pressão inspiratória máxima (PI máxima) pré-operatória no grupo controle foi de - 46,66 ± 32,45mmHg, o que não diferiu significantemente (p= 0,93) do valor médio da PI máxima pré-operatória dos pacientes do grupo intervenção: -46,55 ± 25,17mmHg. Da mesma forma, o valor médio da PI máxima, no 1º pós-operatório, foi de -16,66 ± 9,45mmHg no grupo controle e -15,81 ± 14,06mmHg no grupo intervenção, não diferindo significantemente (p=0,79) do valor médio da PI máxima entre os grupos. O valor médio da PI máxima, no 6º pós-operatório, foi de -34,05 ± 23,60mmHg no grupo controle e -32,00 ± 34,56mmHg no grupo intervenção, não havendo diferença significativa (p= 0,77) entre os grupos (Figura 2).

Mudanças da capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1) no pré, 1º e 6º pós-operatório podem ser verificadas na Figura 3. O valor médio da CVF pré-operatório, no grupo controle, foi de 2,37 ± 0,74 litros (l), o que não diferiu significantemente (p= 0,52) do valor médio da CVF dos pacientes do grupo intervenção: 2,27 ± 0,66 litros. No 1º pós-operatório, pode-se observar que a CVF, no grupo controle, foi de 0,90 ± 0,37 litros e, no grupo intervenção, de 0,93 ± 0,41 litros, não havendo diferença significativa entre os grupos (p= 0,73). Da mesma forma, no 6º pós-operatório, a CVF foi de 1,54 ± 0,95 litros no grupo controle e 1,63 ± 0,82 litros, no grupo intervenção, não havendo diferença significativa entre os grupos (p= 0,64). O valor médio do VEF1 pré-operatório, no grupo controle, foi de 2,00 ± 0,70 litros e, no grupo intervenção, 2,03 ± 0,65 litros. O valor médio do VEF1, no 1º pós-operatório, foi de 0,71 ± 0,32 litros, no grupo controle e de 0,76 ± 0,34 litros, no grupo intervenção. Já a média do VEF1, no 6º pós-operatório, foi de 1,27 ± 0,76 litros, no grupo controle e de 1,43 ± 0,77 litros, no grupo intervenção. Não houve diferença significativa entre os grupos no pré, 1º e 6º pós-operatórios, sendo caracterizados por um p= 0,83 no pré-operatório, p= 0,43 no 1º pós-operatório e p= 0,33, no 6º pós-operatório.

Na Figura 4, pode-se observar a incidência de complicações radiológicas pulmonares dos pacientes no pré, 1º e 6º dia pós-operatório. A incidência de áreas desarejadas (atelectasia e/ou consolidação), derrame pleural e análise radiológica sem alteração no pré-operatório (p= 0,58), 1º pós-operatório (p= 0,14) e 6º pós-operatório (p= 0,08) não diferiram entre os grupos. No período pré-operatório, não houve casos de área desarejada associada a derrame pleural. Porém, verificou-se que, no 1º pós-operatório, houve maior incidência de área desarejada no grupo controle, observada em 22 (50%) pacientes, quando comparado ao grupo intervenção, que foi de 13 (31%) pacientes (p= 1,0). Também se pode conferir maior incidência de derrame pleural no grupo controle, que foi de quatro (9,1%) pacientes, quando comparado ao grupo intervenção: três (7,1%) pacientes (p= 1,0). Porém, foi maior a incidência no 1º pós-operatório de derrame pleural associado à área desarejada no grupo intervenção: sete (16,7%) pacientes, quando comparado com três (6,8%) doentes do grupo controle (p=0,2).

No 6º pós-operatório, a maior incidência de área desarejada foi observada no grupo controle, de cinco (11,4%) pacientes, comparado com o intervenção, em que este ausente (p= 1,0). Contudo, pode-se observar que maior número de pacientes do grupo intervenção - 19 (45,2%) - tiverem o diagnóstico radiológico de derrame pleural quando comparado ao grupo controle, que foi de 12 (27,3%) casos (p= 0,1). A incidência de áreas desarejadas associadas a derrame pleural foi maior no grupo intervenção, de 16 (38,1%) pacientes comparados com 15 (34,1%) pacientes do controle (p= 1,0).

O tempo médio de internação hospitalar pode ser visto na Figura 5. O tempo médio de internação hospitalar foi de 14,65 ± 6,61 dias, no grupo controle e de 11,77 ± 6,26 dias, no grupo intervenção. Houve diferença significativa (p<0,005) no tempo de internação do grupo controle, quando comparado ao grupo intervenção. A mediana do tempo de internação hospitalar foi de 9,0 dias (8,0 -12,8) no grupo intervenção e de 12 dias (9,0 -19,0), no grupo controle.




Fig. 1 - Tempo de circulação extracorpórea (CEC)


Fig. 2 - Mudanças da Pressão inspiratória máxima (Pimáx.) no pré, 1º e 6º pós-operatório. Pi=pressão inspiratória máxima. *p<0.05


Fig. 3 - Capacidade vital forçada (CVF) e Volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1) no pré, 1º e 6º pós-operatório. CVF = capacidade vital forçada; VEF1 = volume expiratório forçado no 1ºsegundo. *p<0.05. As variáveis foram descritas em forma de média e desvio-padrão




Fig. 4 - Complicações pulmonares pré, 1º e 6º pós-operatório


Fig. 5 - Tempo de internação hospitalar


COMENTÁRIOS

No presente estudo, pode-se observar a redução no tempo de internação hospitalar entre os pacientes do grupo intervenção, que tiveram média de diferença de três dias de internação, quando comparado com o grupo controle (p<0,05). A redução do tempo hospitalar também foi observada por Stein e Cassara [13] que verificaram a redução do tempo de internação hospitalar dos pacientes, os quais receberam fisioterapia pré e pós-operatória, quando comparados com o grupo que não realizou a fisioterapia (p<0,05). Semanoff et al. [14] também relataram a redução do tempo de internação hospitalar daqueles pacientes que receberam duas ou mais sessões de fisioterapia (exercícios ventilatórios, tosse e mobilização precoce, além de informações antecipadas sobre os procedimentos pós-operatórios), no pré-operatório de cirurgia cardíaca. Observaram que pacientes submetidos à cirurgia de válvula orientados no pré-operatório eram dispensados oito dias antes do que aqueles não tratados com fisioterapia respiratória no pré-operatório.

Da mesma forma, Celli et al. [15] constataram diminuição no tempo de internação hospitalar no grupo que havia efetuado orientação de exercícios ventilatórios (9,6 ± 3,2 dia de internação hospitalar) em relação ao grupo controle (13 ± 5 dias de internação hospitalar). Em estudo realizado por Healy [16] com 321 pacientes, em que 181 receberam instruções (exercícios ventilatórios com inspiração profunda, tosse, explanação específica sobre a operação nos períodos pré e pós-operatórios) e 140 não receberam nenhum tipo de intervenção, o tempo de internação hospitalar foi reduzido de 3 a 4 dias, no grupo de pacientes orientado.

Alterações na função pulmonar ocorrem em todos os pacientes após horas do processo cirúrgico [17]. A redução dos volumes pulmonares pode ser observada no grupo intervenção e controle e, principalmente, do pré para o 1º pós-operatório, com aumento, mas não retorno, dos valores pré-operatórios, no 6º pós-operatório.

Segundo Meyers et al. [17], os volumes pulmonares (VEF1, CVF) diminuem no pós-operatório [18] com o máximo decréscimo, no 1º dia pós-operatório, retornando próximo aos valores pré-operatórios, no 5º dia pós-operatório [17]. O mesmo ocorreu com a força da musculatura inspiratória. Essa teve decréscimo do pré para o 1º pós-operatório e melhora, sem recuperação dos valores pré-operatórios, no 6º pós-operatório, nos grupos intervenção e controle. Tais testes dependem da compreensão das manobras a serem executadas e da vontade do indivíduo em colaborar, realizando os movimentos e esforços realmente máximos [19].

Dessa maneira, acredita-se que fatores, tais como, dor [20], alteração da mecânica ventilatória decorrente da esternotomia [18] e os efeitos deletérios da anestesia geral sobre a função pulmonar, tenham contribuído para estes achados. Quanto à força da musculatura inspiratória, a esternotomia causa dano na estabilidade da parede torácica e diminuição do suporte sangüíneo na musculatura intercostal, devido à remoção da artéria mamária interna, o que pode diminuir a força da musculatura ventilatória [18].

A incidência de complicações pulmonares é difícil de se determinar pela literatura, devido a muitos pesquisadores separarem tais complicações da significância clínica e mesmo radiológica da doença. Além disso, depende do tipo da cirurgia e da percepção individual do observador sobre o que constitui a complicação [5]. No presente estudo, foi verificada a incidência de complicações radiológicas pulmonares, uma vez que os aspectos clínicos não foram analisados. Foram consideradas como complicações radiológicas a presença de áreas desarejadas (atelectasia e/ou consolidação) e derrame pleural. O termo área desarejada é um conceito utilizado pelo serviço de radiologia, para aqueles pacientes que apresentam atelectasia e/ou consolidação na radiografia de tórax.

Pode-se observar que 23 (54,8%) pacientes do grupo intervenção e 29 (65,9%) do grupo controle desenvolveram algum tipo de alteração radiológica pulmonar no 1º pós-operatório. Verificou-se que os pacientes do grupo controle tiveram maior incidência de complicação radiológica pulmonar no 1º pós-operatório, porém, sem significância. Já no 6º pós-operatório, quase não houve diferença entre os grupos: 35 pacientes, no grupo intervenção e 32, no grupo controle, desenvolveram algum tipo de alteração radiológica. A incidência de área desarejada pode ser observada como sendo predominante no grupo controle, tanto no pré, no 1º e 6º pós-operatórios.

Os danos na função pulmonar, no período pós-operatório, são inevitáveis, porém, muitas vezes, não oferecem significância clínica. Isso justificaria a alta hospitalar de muitos pacientes com alteração radiológica.

Segundo Wilcox et al. [21], as anormalidades podem ser analisadas pela radiografia de tórax em muitos pacientes, no pós-operatório de cirurgia cardíaca, sem resoluções quando estes deixam o hospital. A origem das complicações pulmonares no pós-operatório é multifatorial: alteração na mecânica ventilatória devido à esternotomia, dor [20], hipoventilação, efeitos anestésicos [6], assim como retração do lobo inferior esquerdo, distensão gástrica pós-operatória e paresia da hemicúpula diafragmática esquerda secundária à cirurgia ou dano hipotérmico no nervo frênico naqueles pacientes submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamária [22].

No presente estudo, observou-se uma alta incidência de derrame pleural na amostra no 6º dia de pós-operatório (72%), não havendo diferença estatística entre os grupos. Verificou-se que, dos 86 pacientes incluídos no estudo, 73 (84,9%) realizaram a cirurgia de RM com a utilização da artéria mamária interna (com ou sem associação de ponte safena). Destes, 35 (83,3%) pacientes do grupo intervenção e 27 (61,4%), do grupo controle, tiveram derrame pleural no 6º pós-operatório. Em estudo realizado por Vargas et al. [22], também se pode observar maior incidência de derrame pleural naqueles pacientes submetidos à cirurgia de RM com anastomose mamária. Ainda, no estudo, a alta incidência de derrame pleural pós-operatório poderia ser justificada pelo grande número de pacientes que realizaram a cirurgia de RM com anastomose mamária.

Limitações do presente estudo

1) Análise radiológica: como demonstrado por alguns autores [23-25], é difícil obter diagnóstico preciso de complicações pulmonares pela radiografia de tórax. Em trabalho realizado por Bloomfield et al. [23], observou-se de forma clara as diferenças intra e interobservador quanto à descrição das anormalidades radiológicas, sugerindo que, ao ser analisada a radiografia de tórax, as alterações deveriam ser descritas e não serem feitos diagnósticos; ou, então, que fossem oferecidos diagnósticos diferenciais. No referido estudo, não foram descritas distintamente atelectasia e consolidação, sendo considerada como área desarejada a presença de atelectasia e/ou consolidação, conforme critérios utilizados pelo serviço de radiologia.

2) Cálculo amostral: quando realizado o cálculo amostral para a realização deste estudo (90 pacientes), foi subestimada a incidência de complicações radiológicas pulmonares como sendo de 20% no período pós-operatório. Como está claro, houve um maior número de casos e conseqüente necessidade de uma amostragem maior. Até porque os pacientes que são submetidos à cirurgia de RM têm muitos fatores de correlação e apresentam muitas variáveis, o que exigiria um maior número de pacientes para se obterem dados significativos.

Trabalhos demonstram limitações na descrição metodológica, sendo difícil concluir, com segurança, a fidedignidade dos achados [26]. Outro aspecto a ser considerado é a ausência de critério uniforme para estabelecer a presença de complicações pulmonares e descrever o regime terapêutico pré e pós-operatório, bem como a relativa importância dada aos fatores de risco para complicações pulmonares, podendo contribuir para a discrepância dos resultados [27].

A demonstração e a explicação da importância dos exercícios ventilatórios e mobilizações precoce pelo fisioterapeuta são importantes [16]. Entretanto, as complicações pós-operatórias referidas não tiveram relevância clínica a ponto do paciente necessitar intervenção terapêutica específica e maior tempo de hospitalização. Assim, a maior atenção ao paciente no período pré-operatório pode influenciar na sua possível e mais rápida recuperação pós-operatória.

Com base no estudo em questão, pode-se prever que pacientes instruídos no pré-operatório estarão melhores preparados para colaborar com as necessidades do tratamento pós-operatório. Estes, entendendo o objetivo da fisioterapia pré e pós-operatória, as limitações decorrentes do processo cirúrgico e a técnica fisioterapêutica proposta, poderão favorecer a sua recuperação e, assim, diminuir o tempo de permanência no hospital.

Dessa forma, pensa-se em custo-efetividade de um programa de fisioterapia pré-operatório, de no mínimo duas sessões, que poderá, não só reduzir o tempo de internação, como diminuir os custos hospitalares. Já a incidência de complicações radiológicas pulmonares sugere que novo cálculo amostral e estudo sejam realizados para que se possa verificar a efetividade da fisioterapia pré-operatória na incidência de complicações radiológicas pulmonares, pois tal não foi suficiente para demonstrar a eficácia do tratamento no presente estudo. Por outro lado, não foram encontradas diferenças objetivas quanto à força muscular inspiratória máxima (PI máxima), capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no 1º segundo (VEF1), nos pacientes tratados com tal proposta fisioterapêutica.

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