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COMO EU FAÇO

Uso do pericárdio autólogo para reforço da aortorrafia no tratamento cirúrgico da valva aórtica

Marco Antonio Vieira Guedes; Pablo Maria Alberto Pomerantzeff; Carlos Manuel de Almeida Brandão; Sérgio Almeida de Oliveira

DOI: 10.1590/S0102-76382004000400012

INTRODUÇÃO

O reparo da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica pode ser realizado por intermédio de diferentes técnicas. Em alguns casos, porém, a aorta ascendente encontra-se aterosclerótica, fina e friável, aumentando o risco de rotura no pós-operatório imediato e formação tardia de aneurismas [1]. Nestas situações, o reparo da aortotomia torna-se um desafio para o cirurgião.

A utilização de materiais para reforçar a linha de sutura na aorta é um artifício importante nestes casos. Atualmente, uma grande diversidade de materiais pode ser utilizada para esta finalidade, como Dacron, Teflon, Gore-Tex e pericárdio bovino. Cada material, devido a suas características, apresenta vantagens e desvantagens [1].

O pericárdio autólogo é um biomaterial de fácil acesso, sem custos, complacente e resistente, não filamentado, livre de patógenos relacionados ao doador e incapaz de provocar resposta imune [2,3]. Vários autores descreveram suas experiências com a utilização deste material no reparo de aneurisma de ventrículo esquerdo e hemostasia no local de injeção da cardioplegia [4,5]. Neste estudo, é descrita a técnica de reforço da aortotomia no tratamento cirúrgico da valva aórtica com a utilização de pericárdio autólogo e seus resultados.

MÉTODO

Entre janeiro de 1999 e outubro de 2003, 23 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico da valva aórtica no Instituto do Coração de São Paulo (Incor), e que apresentavam aorta aterosclerótica, friável e fina, foram selecionados para a utilização do pericárdio autólogo no reforço da linha de sutura da aortotomia. A média de idade dos pacientes foi 69,7 ± 10,2 anos (mínima: 46 e máxima 84), sendo 16 (69,6%) pacientes do sexo feminino. Os dados demográficos, fatores de risco e dados ecocardiográficos pré-operatórios são demonstrados na Tabela 1.



Foram excluídos os pacientes que apresentavam aorta com diâmetro maior ou igual a 4,2 cm no ecocardiograma pré-operatório. Os dados foram coletados por meio de ficha protocolar, analisando-se retrospectivamente os prontuários médicos e eletrônico do Incor.

O seguimento destes pacientes foi realizado por meio da última avaliação clínica e ecocardiográfica ambulatorial no pós-operatório.

Foi utilizada a estatística descritiva com análise das freqüências, sendo as variáveis contínuas representadas como média ± desvio-padrão. Foi utilizado o teste t de Student para comparação de médias.

Técnica Operatória

No momento da sutura da aortotomia, duas tiras de pericárdio autólogo, de 0,5 cm de largura e 25% maior do que a linha de sutura, em comprimento, foram dissecadas na transição pericárdio-pleural. Foi realizada hemostasia da área cruenta do pericárdio. A rafia da aorta foi realizada de forma habitual, utilizando-se as tiras de pericárdio autólogo como reforço em ambos os lados da aortotomia, como apresentado na Figura 1. A operação foi, então, finalizada de maneira habitual.



RESULTADOS

Durante o período entre janeiro de 1999 e outubro de 2003, foram avaliados 23 pacientes submetidos ao reforço da aortotomia com pericárdio autólogo. Após o procedimento, dois (8,7%) pacientes morreram. Em ambos os casos foi realizada a dupla troca mitro-aórtica. O primeiro paciente, do sexo masculino, 72 anos, foi operado devido a endocardite, apresentando valva aórtica com rotura de duas válvulas com vegetações e valva mitral com perfuração do folheto anterior e vegetações, sem evidências de abscesso de anel, sendo realizada a troca das valvas aórtica e mitral por próteses biológicas número 25 e 29, respectivamente. Evoluiu com sepse e óbito no sexto dia de pós-operatório.

O segundo caso, operado eletivamente, uma paciente do sexo feminino, 80 anos, após a troca das valvas aórtica e mitral por próteses biológicas número 23 e 29, respectivamente, apresentou sepse de foco respiratório, evoluindo com disfunção de múltiplos órgãos e óbito no 29o dia de pós-operatório.

Apenas um paciente foi reoperado para revisão de hemostasia, sendo identificado sangramento em local de canulação aórtica, apresentando boa evolução após o reparo.

Após a alta hospitalar, 21 pacientes foram acompanhados, com a média de seguimento de 13,52 ± 11,87 meses, variando de dois a 48 meses. Nenhum paciente necessitou reintervenção cirúrgica ou foi a óbito.

O diâmetro da aorta descrito na última consulta pós-operatória foi comparado com o diamêtro aórtico pré-operatório. A média do diamêtro pré-operatório foi de 35 ± 3,8mm (variando entre 30 e 42mm) e pós-operatório 34,29 ± 4,2mm (variando entre 28 e 44mm). Não houve diferença estatística entre as médias, p = 0,17.

COMENTÁRIOS

No tratamento cirúrgico da valva aórtica, o fechamento da aortotomia pode estar associado a dificuldades técnicas para obtenção da hemostasia adequada, principalmente em aortas friáveis e finas. A deiscência da sutura aórtica, em geral, é um evento dramático e em alguns casos fatal [1].

Diversos materiais foram utilizados com a finalidade de reforçar uma aorta com características macroscópicas de fragilidade. Porém, estes materiais podem predispor à infecção por se tratarem de corpo estranho [1,6]. LOOSER et al. [6] descreveram infecções em linhas de suturas em pacientes nos quais foi utilizado Teflon no ventrículo esquerdo para correção de aneurisma. A utilização com sucesso de retalho de pericárdio autólogo para hemostasia da aorta no local da injeção da solução cardioplégica, em 20 pacientes, foi descrita por RESCIGNO et al.[5].

O pericárdio autólogo foi utilizado no reforço da aortotomia com sucesso em 23 pacientes de alto risco. Este material inerte minimiza os riscos de infecção, além de ser obtido rapidamente durante o ato operatório e sem custos [2,3]. A utilização de duas tiras de pericárdio autólogo é uma técnica segura e de fácil reprodutibilidade. Na nossa casuística, apenas um paciente foi reoperado para revisão da hemostasia, sendo evidenciada lesão no local de canulação e não no reforço da aortotomia. Em todos os pacientes, em que foi realizada esta técnica de reforço da sutura da aorta, não houve lesão sangrante relacionada à aortotomia.

A seleção dos pacientes para realização da técnica foi subjetiva devido à ausência de critérios objetivos na literatura. Esta pode ser uma falha na metodologia do estudo, porém a identificação da falta de critérios pode estimular a realização de pesquisas na área.

Os pacientes foram acompanhados no pós-operatório durante um período máximo de 48 meses. Não houve diferença estatística entre o diâmetro da aorta pré e pós-operatório. Além disso, não foi evidenciado nenhum caso de óbito ou necessidade de reintervenção. O reforço da sutura da aortotomia com utilização de pericárdio autólogo é uma técnica simples e segura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kirklin JW, Barratt-Boyes BG. Aortic valve disease. In: Kirklin JW, Barratt-Boyes BG, editors. Cardiac surgery. New York:Wiley;2003. p.554-656.

2. Fiore AC, McKeown PP, Misbach GA, Allen MD, Ivey TD. The use of autologous pericardium for ventricular aneurysm closure. Ann Thorac Surg 1988;45:570-1.
[ Medline ]

3. Cheung DT, Choo SJ, Grobe AC, Marchion DC, Luo HH, Pang DC et al. Behavior of vital and killed autologous pericardium in the descending aorta of sheep. J Thorac Cardiovasc Surg 1999;118:998-1005.
[ Medline ]

4. Khaki A, Ridgeway J, Sivananthan UN, Nair RU. Repair of left ventricular aneurysm by autologous pericardial patch reinforcement (capping): follow-up results. J Card Surg 1997;12:247-52.
[ Medline ]

5. Rescigno G, Torracca L, Nataf P, Lessana A. Pericardial patch for rapid and effective hemostasis of cardioplegia injection site. J Cardiovasc Surg 2000;41:405-6.

6. Looser KG, Allmendinger PD, Takata H, Ellison LH, Low HB. Infection of cardiac suture line after ventricular aneurysmectomy. J Thorac Cardiovascular Surg 1976;72:280-1.

Article receive on domingo, 1 de agosto de 2004

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